O verão da chapa quente na política de Búzios

“A cidade está quente, isso parece inevitável com as mudanças climáticas. Mas não merece outra eleição suja”, afirma a jornalista Carla Rodrigues em artigo para a Agenda do Poder

Carla Rodrigues*

O verão de 2024, marcado pelas temperaturas extremas, foi especialmente quente para a política em Armação dos Búzios. Desde o começo de fevereiro, quando o TSE decidiu pela cassação da chapa Alexandre Martins/Miguel Pereira, o prefeito interino da cidade, vereador Rafael Aguiar, já tomou posse, substituiu grande parte do secretariado de Alexandre – embora os dois sejam do mesmo partido Republicanos, se comportassem como aliados, e Miguel seja pai de Rafael – e os dois trocaram acusações públicas de traição. A temperatura subiu alguns graus com a decisão do TRE de marcar as eleições suplementares para 28 de abril.

O processo de cassação da chapa Alexandre/Miguel levou três anos para tramitar. Enquanto isso, o prefeito eleito sob acusação de compra de votos governou, gastou recursos públicos sem obedecer a regras básicas do funcionamento democrático, tudo indica que errou nas contas, como explica o sociólogo Paulo Baía neste artigo, licitou obras sem apresentação de projetos executivos, como no caso da horrível reforma do Centro, paralisou quase todos os conselhos municipais de acompanhamento das políticas públicas, e conquistou maioria legislativa na Câmara Municipal, onde oito dos nove vereadores eram convenientemente seus aliados. O único vereador de oposição, Raphael Braga, filho do ex-prefeito Mirinho Braga, tem mantido uma atitude crítica ímpar diante de tanto descalabro.

Hoje, a cidade de 40 mil habitantes, segundo o Censo de 2022, com uma população flutuante muito maior – é um dos principais destinos turísticos do país e tem grande quantidade de domicílios de veranistas  – , com um orçamento em 2024 de R$ 650 milhões, está sendo governada por um vereador eleito com pouco mais de mil votos. As eleições suplementares são indispensáveis para substitui-lo. O curtíssimo prazo concedido pela corte para o novo pleito torna a disputa ainda mais complicada. Um calendário apertado, poucos recursos, baixa mobilização para uma “eleição solta”, uma briga acirrada dentro do mesmo grupo político dos Republicanos, uma gestão ousada, que ao romper com o prefeito anterior em mandato interino e curto corre o risco de paralisar os serviços da cidade, tudo isso é uma realidade que parece distante da decisão da corte.

As eleições suplementares vão acontecer em ano eleitoral, com o pleito regular marcado para o começo de outubro. As candidaturas, que ainda estavam indefinidas, agora correm para se lançar, já que a suplementar vai acabar funcionando como um teste para a eleição de outubro: no campo do Republicanos, há uma divisão entre o grupo de Alexandre Martins e o de Rafael Aguiar e ainda não está claro se o interino Rafael será candidato na suplementar. Os outros pré-candidatos são Leandro (PSDB), o policial do Bope que ficou em segundo lugar na última eleição e iniciou o processo contra o vencedor; João Carrilho (PRTB), que vem com o apoio de Mirinho Braga (PDT); Bernardo Ariston (PT), representando uma frente de partido de esquerda ainda com dificuldades de se consolidar.

É espantoso que depois de esperarmos três anos para tirar do cargo um prefeito cuja eleição foi considerada ilegítima, diante da acusação de compra de votos, estejamos na urgência de escolher um sucessor em tão pouco tempo, correndo o risco de que toda a máquina pública venha a ser indevidamente usada para fins eleitorais. O mínimo que se espera do tribunal é que, mesmo em prazo tão célere, seja capaz de fiscalizar as eleições suplementares a fim de garantir a sua lisura. A cidade está quente, isso parece inevitável com as mudanças climáticas. Mas não merece outra eleição suja.

*Carla Rodrigues é filósofa, professora do IFF e da UFRJ. Carioca de nascimento, moradora e eleitora de Armação de Búzios por amor à cidade.

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