Polo universitário público em Búzios: utopia viável?

Artigo elenca cenários e estimula reflexões e ações que possam vir a implantar em Búzios um polo de Instituições de Ensino Superior Públicas

Sidney Lianza*

Este artigo elenca cenários e estimula reflexões e ações que possam vir a implantar em Búzios um polo de Instituições de Ensino Superior Públicas (IESPs) localizadas na região e no estado do Rio de Janeiro, articulado a iniciativas locais. Inspira-se na experiência desenvolvida em Macaé há duas décadas.  Um polo de ensino, pesquisa e extensão indissociáveis para a construção de um caminho estratégico e dialógico de desenvolvimento territorial sustentável e saudável. Há de se trazer luz sobre o andamento dado ao projeto enviado pelo prefeito à Câmara Municipal, em 2021, cedendo um terreno para a UERJ construir um edifício, ao lado do Centro Vocacional Tecnológico  da FAETEC no bairro da Rasa. Conclui-se haver caminhos para tornar realidade o sonho de implantar-se um arranjo de IESP visando a formação de cidadãos e cidadãs indutores de conhecimento crítico, de sorte a alimentar processos de construção participativa de políticas públicas.

Instituições de ensino superior públicas (IESP), conforme previsto na Constituição Cidadã de 1988, devem ser gratuitas e de qualidade e obrigatoriamente desenvolver de maneira indissociável o ensino, a pesquisa e a extensão. Para tanto, deverá contar com professores(as) com titulação e avaliação de desempenho, assim como desenvolver seu trabalho em regime de trabalho de 40 horas e, em boa parte dos quadros, com Dedicação Exclusiva.

A práxis da indissociabilidade é que pode viabilizar que as IESPs sejam os vetores estratégicos para alcançar um desenvolvimento sustentável e saudável da nação, com soluções construídas através de diálogo permanente entre a sociedade civil e política e professores(as), estudantes e técnicos(as).

A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não é uma práxis majoritária no mundo acadêmico no Brasil. Cristóvam Buarque, em seu livro Aventura da Universidade (2012), gravou em pedra o seu desejo de que um dia a extensão universitária se tornará a metodologia de aprendizagem na universidade pública. Paulo Freire discorda do conceito de “extensão universitária”, pois o entendia como sendo unidirecional, como se a universidade fosse o centro produtor do saber e a sociedade mera receptora deste conhecimento. Daí ele ter optado pelo conceito de “comunicação universitária”, ou seja: o conhecimento deve ser desenvolvido numa relação dialógica entre os integrantes da universidade e a sociedade; caso contrário, não conseguiria alcançar os anseios e necessidades da sociedade e da natureza.

Isso é hegemônico na universidade brasileira? Não. Mas o país possui experiências emblemáticas de relações regidas pela máxima de que “*não há quem saiba mais do que alguém, há saberes diferentes”. Para isso, há de se humildar. Assim sendo, este artigo defende que se poderia iniciar um processo dialógico em Búzios, construtivista, que passo a passo possa vir a implantar um polo universitário público de acordo com a história, a natureza e a cultura locais. Há experiências em diversos lugares no Brasil que comprovariam essa tese.

O Brasil possui universidades e polos de IESP com diferentes arranjos institucionais: federais, federativas (envolvendo mais de um estado), estaduais, regionais e municipais. E há ainda outros arranjos que mesclam diversos destes tipos. Existem universidades municipais em várias regiões  do país: a Universidade de Rio Verde (UniRV), Centro Universitário de Mineiros (UniFimes), situadas no interior de Goiás; a FACELI (Faculdade de Ensino Superior de Linhares), Universidade Pública Municipal situada no interior do estado do Espírito Santo; a Universidade Regional de Blumenau (FURB), localizada no interior de Santa Catarina – uma das 100 melhores do país; a Universidade de Taubaté (UNITAU) e a Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), sediadas em cidades do interior de São Paulo (Wikipédia,Universidade Municipal).

            Há, no Rio de Janeiro, duas instituições de ensino superior municipais (IES) públicas: em Macaé, a Faculdade Professor Miguel Ângelo da Silva (FEMAS), com cursos de graduação em engenharia de produção, administração e informática; em Itaperuna, o Instituto Superior de mesmo nome, com curso de graduação em Educação Física.

Denota-se a política pública no município de Macaé que gerou uma experiência emblemática, seja para o país, seja para Búzios. A Fundação Educacional de Macaé (FUNEMAC) da prefeitura, iniciou em 2003 ações de pesquisa, ensino e extensão com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sendo que, anteriormente, já desenvolvia ações com a Universidade Federal Fluminense (UFF). Esses três atores foram paulatinamente construindo um sistema público de ensino superior que está materializado na Cidade Universitária de Macaé onde convivem, em prédios diversos, dezenas de Cursos, laboratórios, programas de pesquisa e extensão da UFF, UFRJ e da FEMAS. Só a UFRJ implantou, desde 2004, cursos de biologia, três cursos de engenharia, de enfermagem, de nutrição, de química e de medicina. Para tanto, através de concursos públicos, contratou mais de 300 professores(as). Em Macaé, há um exemplo de utopia viabilizada.

Búzios emancipou-se de Cabo Frio em 1995 e está vivendo uma explosão demográfica, com uma convergência de problemas crônicos, que se agravam ano a ano: no saneamento básico, na energia, no sistema fundiário, no turismo, nas populações tradicionais, na mobilidade urbana, na poluição no mar e nos costões, na poluição sonora, na formação continuada de profissionais responsáveis pela gestão do município, na saúde, na educação.

Implantar um polo de IESP-Búzios, através de uma convergência de esforços institucionais, estabeleceria um caminho estratégico virtuoso para desenvolvimento sustentável e saudável. Este polo permitiria desvelar ou aprofundar o conhecimento sobre Búzios de forma contínua e permanente, contribuindo sobremaneira para a construção de políticas públicas.

Para se definir a política pública visando a implantação de um sistema de IESP-Búzios, há de se considerar os projetos de pesquisa e extensão que são desenvolvidos em Búzios, por IESP externas. Há de se fazer um levantamento cuidadoso sobre estes eventos acadêmicos. Todavia, informalmente, sabe-se que esses projetos enfocam uma diversidade de campos de conhecimento: geologia, biologia, ecologia, turismo, antropologia, populações tradicionais, pesca, desenvolvidas por professores(as) e estudantes de graduação, mestrado e doutorado de IES públicas.

Na praia de José Gonçalves e na trilha do Pai Vitório, por exemplo, podemos apreciar murais explicativos/educativos, elaborados por pesquisadores e estudantes de universidades públicas fluminenses, que identificaram o gnaisse – rochas que possuiriam mais de 2 bilhões de anos, como rochas que teriam ficado na região quando da separação da África e América do Sul. Conhecimento é identidade; quem não se conhece não sabe quem é nem o que pode vir a ser.

Esse processo demandaria também pesquisas dialógicas no território, para aferir as demandas de formação profissional, assim como programas de pesquisa e extensão visando um desenvolvimento equânime e sustentável de Búzios. O setor de serviço ao turismo, por exemplo, aponta o urbanista Ephim Shluger, geraria demandas por cursos profissionais na área de administração de empreendimentos (hotelaria, pousadas, albergues e restaurantes e comércio em geral). Acrescente-se a demanda de formação de educadores e guias de ecoturismo, o afroturismo e o de base comunitária. Shluger assinala ainda outros temas, tais como: carência de estudos sobre oceanografia, geologia e biologia marinha, com foco nas mudanças climáticas e na proteção da zona costeira. E, ainda, sobre as atividades de pesca em Búzios, sobre a área de urbanismo, estudando casos exemplares de boas práticas e saber adaptar os mesmos para o nosso caso, finaliza. Além de uma diversidade de outras demandas advindas das diversas formações do corpo técnico administrativo do município.

 Há de se destacar o entorno do município, Cabo Frio, pois uma política para implantar IESP em Búzios deve obrigatoriamente considerar o que já se desenvolve ao seu lado, por óbvio. Cabo Frio conseguiu atrair o Instituto Federal Fluminense – Campus Cabo Frio, que oferece cursos técnicos a nível médio: hospedagem, petróleo e gás, química, etc.; cursos de graduação em engenharia mecânica, licenciatura em biologia, química, física; tecnologia em gastronomia, hotelaria e pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais.  A Universidade Estadual do Rio Janeiro (UERJ) instalou em dezembro de 2023 seu novo campus em Cabo Frio, com três cursos de graduação: medicina, geografia e ciências ambientais. A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) implantou, também em 2023,  nas ruínas da sede da Fazenda Campos Novos, um campus avançado, também em Cabo Frio.

Igual importância será estudar e realçar o que há de iniciativas locais que favorecem a viabilidade da utopia. Denota-se no município a existência da  FAETEC (Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante), localizado na Rasa, em terreno destinado pela prefeitura em 2014, com cursos gratuitos presenciais destinados à formação técnica em cursos de curta duração. A FAETEC estaria articulada com a Faculdade de Turismo da Unirio e a Faculdade de Pedagogia da UENF para oferecer cursos de graduação – via Educação à Distância (EAD).

A viabilização da implantação de uma IESP teria dado um passo fundamental se houvesse sido sancionado o projeto de lei que em seu artigo 2o previa destinar um terreno para a UERJ, ao lado de onde está localizada a FAETEC, para que ela construísse um centro de pesquisa em meio ambiente, até onde se apurou, Esse projeto foi enviado à Câmara Municipal pelo prefeito através da Mensagem 50/2021 em 10/09/2021. Há de se lançar luzes sobre o andamento deste projeto de lei, até porque o prefeito na mensagem afirmou que os terrenos remanejados teriam de ser destinados ao “Polo Educacional de Armação de Búzios”.

A formação em nível de pós-graduação dos professores e professoras da rede pública municipal de ensino fundamental e médio, assim como demais técnicos da gestão municipal, está sendo estimulada pelo plano de carreira. Este estímulo vem sendo gerido pelo Centro de Educação e Desenvolvimento de Búzios (CEPEDE). Muito embora esta formação, hoje, só possa ser possível via EAD paga, por polos de IES privadas situadas em Búzios, ou entrar no esquema de ir e vir para outro município que tenha IES privada ou IES pública.

Hoje em dia, os jovens e adultos buzianos interessados em adquirir formação em nível superior numa das IES públicas stricto sensu só poderão fazê-lo de maneira plena saindo do município ou indo e voltando, com possível ajuda de bolsa fornecida pelo erário público municipal. Sendo que, quando formados nessas IES públicas de qualidade, possivelmente não encontrarão local no município para desenvolver suas competências adquiridas. Assim, a ausência de uma política pública para implantação de IES no município estimula a imigração de uma inteligência socialmente construída de estudantes que receberam bolsas do erário público do próprio município.

            Há um obstáculo legal de importância vital para a implantação de um polo de ensino superior público: a ausência no vigente Plano Diretor do município de qualquer capítulo contendo diretrizes para o ensino superior no município, só mesmo o ensino fundamental e médio. A oportunidade de poder reverter este quadro se dará na obrigatória revisão do Plano Diretor, que deverá ser realizada no ano de 2025.

Numa palavra, pensar em desenvolvimento humano e em harmonia com a natureza, a longo prazo, em Búzios exigirá uma política pública assertiva que venha a implantar o seu sistema de IESP, através de parcerias que viabilizem as oportunidades que existem no município de Cabo Frio, sem descurar em absoluto do exemplo emblemático de Macaé, explorar as possibilidades endógenas e parcerias com as universidades públicas estaduais e federais existentes em nosso estado.

Há de se ter vontade política para tornar viável a utopia.

*Professor aposentado da UFRJ

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