A proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, de instituir um código de conduta para os integrantes da Corte ganhou um apoio de peso. O ex-ministro Celso de Mello, decano histórico do tribunal e uma das vozes mais respeitadas da magistratura brasileira, manifestou-se favoravelmente à iniciativa e defendeu a adoção de normas claras de comportamento ético e de transparência no Judiciário.
As reflexões de Celso de Mello foram apresentadas em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Para ele, a criação de um código de ética é uma medida necessária para resguardar a autoridade moral do STF e proteger a legitimidade de suas decisões em um contexto de crescente desgaste institucional.
Regras objetivas para fortalecer a confiança pública
No texto, Celso de Mello sustenta que a iniciativa “merece amplo apoio da cidadania” e deve ser compreendida como uma ação de Estado, moralmente necessária e institucionalmente urgente. Segundo ele, em democracias consolidadas, a confiança na Justiça não pode se apoiar apenas na integridade pessoal dos magistrados, mas deve estar ancorada em normas objetivas que evitem qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados ou governamentais.
O ex-ministro argumenta que a adoção de parâmetros explícitos de conduta contribui para a proteção da própria independência judicial, ao estabelecer balizas claras para a atuação dos ministros e reduzir espaços para suspeitas ou questionamentos externos.
Casos nos Estados Unidos impulsionam o debate
O artigo também relaciona o debate brasileiro a episódios recentes envolvendo a Suprema Corte dos Estados Unidos. Reportagens da imprensa norte-americana revelaram denúncias contra os juízes Samuel Alito e Clarence Thomas, que teriam aceitado viagens, hospitalidade e outros benefícios oferecidos por empresários bilionários com interesses políticos e econômicos, o que gerou forte repercussão pública e audiências no Congresso.
De acordo com o texto citado, o caso mais grave envolveria Clarence Thomas, que teria recebido, ao longo de quase duas décadas, viagens nacionais e internacionais, hospedagens de luxo, transporte em aeronaves privadas e estadias em iates, com vantagens estendidas a ele e à esposa.
A estimativa atribuída ao Comitê Judiciário do Senado dos EUA aponta que o valor desses benefícios teria ultrapassado US$ 4,7 milhões, parte deles não declarada em formulários patrimoniais, o que reacendeu críticas ao modelo baseado apenas na autocontenção individual dos magistrados.
Resposta americana e limites da autorregulação
Em reação às denúncias, a Suprema Corte dos Estados Unidos divulgou, em 2023, uma declaração sobre um código de conduta, afirmando que adotaria como referência o Code of Conduct for United States Judges, aplicável aos juízes federais. No entanto, não foi aprovado um código vinculante específico para os membros da própria Suprema Corte.
Ainda assim, o documento passou a orientar o debate público ao destacar princípios como integridade e independência do Judiciário, vedação da impropriedade e até de sua aparência, atuação imparcial e diligente, limites às atividades extrajudiciais e afastamento de envolvimento político-partidário. Para os defensores de mudanças, a principal lição é que a ética judicial precisa ser escrita, explícita e aberta ao escrutínio social.
Alemanha como referência de rigor preventivo
Celso de Mello também cita o exemplo do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que adota um Verhaltenskodex, código de comportamento autoimposto pela própria Corte. Embora não seja uma lei formal, o conjunto de diretrizes internas possui forte autoridade simbólica e normativa, funcionando como referência vinculante para a conduta funcional e extrafuncional dos juízes.
Entre seus pilares estão a integridade pessoal, a independência e a imparcialidade em sentido objetivo, além da proibição não apenas da impropriedade, mas também de sua simples aparência. O código alemão impõe restrições rigorosas ao recebimento de presentes e vantagens e estabelece limites estritos às atividades extrajudiciais que possam gerar conflitos de interesse ou exposição indevida.
Código como proteção à independência do STF
No contexto brasileiro, a defesa de um código de ética é apresentada como um instrumento de fortalecimento — e não de limitação — da independência do STF. A ideia é afastar suspeitas, prevenir constrangimentos e reforçar a credibilidade institucional em um ambiente marcado por polarização, desinformação e questionamentos recorrentes às instituições.






Deixe um comentário