A recuperação da Light interessa ao Rio

Mais do que aos acionistas e aos credores, o plano de recuperação da Light interessa à sociedade fluminense, que não pode continuar sob incertezas e dúvidas a respeito do futuro de uma companhia que opera no Rio há quase 120 anos

RICARDO BRUNO*

Para além das virtudes do conteúdo em si, a versão mais recente do plano recuperação da Light revela aspectos relevantes do plano de soerguimento da empresa centenária, que cumpre papel estratégico no desenvolvimento econômico do Rio. Há movimentos objetivos de conciliação entre acionistas e credores que nos permitem crer na possibilidade de algum consenso.

Os acionistas de referência – aqueles de peso preponderante na composição societária – deram mostras de comprometimento com a tarefa conjunta de refazimento dos alicerces econômico-financeiros da empresa. A iniciativa desperta confiabilidade na operação. Juntos, Nélson Tanure, Ronaldo Cesar Coelho e Beto Sicupira tem a intenção de aportar R$ 1 bilhão numa capitalização que deve chegar a R$ 1,5 bi. O montante visa a garantir os investimentos necessários à modernização da companhia diante dos desafios de uma provável renovação da concessão.

Ainda que possa ser objeto de reparos e ponderações, a proposta é fruto de um exaustivo debate entre as partes; resulta de um esforço obsessivo dos atuais dirigentes em busca de pontos consensuais que pudessem constituir a base de um acordo que lhes permita deixar a recuperação judicial. O exercício do diálogo e da persuasão foi decisivo no processo de ajustes da proposição, o que revela seu caráter amplamente democrático.

Mais do que aos acionistas e aos credores, o plano de recuperação da Light interessa à sociedade fluminense, que não pode continuar sob incertezas e dúvidas a respeito do futuro de uma companhia que opera no Rio há quase 120 anos.  A convivência centenária a fez parte da história de nosso desenvolvimento.

A despeito de eventuais falhas de desempenho, o vínculo entre a Light e o Rio não é apenas comercial, tampouco se resume a reles relação de venda e compra de energia. Há entre a empresa e a cidade um sentimento mútuo de pertencimento. Daí, a necessidade de engajamento dos principais atores da sociedade neste processo conjunto de recuperação da higidez econômica da companhia. Por estratégico, o debate deve ultrapassar as fronteiras da discussão unicamente contábil com credores.

Formulada após marchas e démarches até o esgotamento de possibilidades, a proposta revela um esforço inequívoco para o atendimento da maioria dos pleitos.  Em até 90 dias, 60% dos credores (28 mil) receberão a totalidade dos  valores a receber. Sem deságio. Compõem esse grupo todos os que têm créditos de até R$30 mil.

O plano garante a sustentabilidade da concessão e, consequentemente, a qualidade e a continuidade da prestação de serviço a 12 milhões de pessoas no estado do Rio de Janeiro. Há uma enorme responsabilidade social nesta negociação. O impacto da solução não atingirá apenas os envolvidos. Terá consequências no desenvolvimento do estado e, por extensão, na vida de cariocas e fluminenses.

A aprovação do plano abre as portas para renovação da concessão, assegurando a sobrevivência saudável da companhia. De resto, este deveria ser o objetivo de todos: acionistas e credores – até mesmo se analisarmos pela rasa ótica do interesse exclusivamente pessoal.

Mas há outros valores na mesa. Não está em jogo apenas a vontade exclusiva daqueles que a haver com a tesouraria da empresa. Sem prejuízo da justeza necessária ao acordo, há que se reconhecer, repito, a presença de razões estratégicas de interesse do Rio no desfecho do caso.

Para entender a crise da Light é necessário decifrar o agravamento da pobreza nos últimos anos País, em especial no Rio de Janeiro. Em determinadas comunidades, apenas 5% dos consumidores pagam pelo consumo. Os demais furtam através de engenhocas rudimentares, os notórios “gatos”. O cálculo tarifário contempla a possibilidade de algum furto, mas no Rio a situação ultrapassou todos limites tornando impossível o fechamento da conta.

É necessário, pois, considerar a importância de uma solução equilibrada e que contemple, a um só tempo, o bolso dos credores, a capacidade financeira dos acionistas e os investimentos necessários ao desenvolvimento sustentável do estado. Enfim, a preservação da Light interessa ao Rio.

Ricardo Bruno é editor da Agenda do Poder

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