Veio morar em Búzios? Agora venha votar

Embora rica, a desigualdade de Búzios pode ser lida nos números do censo: a cidade tem o nono maior PIB per capita do Estado do Rio de Janeiro, R$ 84.721,42 e na Região dos Lagos só perde para Arraial do Cabo

Carla Rodrigues

Quem mora em Búzios tem até o dia 5 de abril para transferir para a cidade o seu domicílio eleitoral. Basta ter um comprovante de residência na cidade e fazer o processo no aplicativo do TSE. Transferir o título oferece uma oportunidade única de intervir diretamente dos destinos de uma cidade que tem todas as condições de se tornar um modelo de sustentabilidade em vez de continuar crescendo desordenadamente “como se não houvesse amanhã”. Pela regra eleitoral, quem transferir o título no prazo pode votar em outubro. Para isso, basta ter um comprovante de residência na cidade, o que abrange também as pessoas que moram em Búzios em tempo parcial.

Todos sabemos que as mudanças climáticas extremas indicam que o planeta alcançou um ponto de não retorno. Muitos de nós escolhemos Búzios para ficar mais perto das suas belezas naturais, cada vez mais ameaçadas. Isso significa mudar o paradigma do crescimento econômico, como já escrevi neste outro texto. Basta olhar para as cidades “grandes” e temos todas as pistas do que não fazer. Quem veio morar, mesmo que seja em meio período, agora tem a oportunidade e a responsabilidade de vir votar, numa tomada de consciência a respeito dos caminhos da cidade. Estamos de fato sob o risco de vir a perder os motivos pelos quais escolhemos Búzios, que tem sido governada para atender a interesses privados de grupos políticos e econômicos.

Tudo indica que essa parcela da população cresceu: há pelo menos 15 anos o mercado imobiliário registra um grande aumento de procura por casas de moradia em bom padrão de construção, capazes de acomodar bem uma família de classe média alta carioca. Desde o início da pandemia, em 2020, o que era só uma tendência virou realidade e a Búzios passou a abrigar uma população permanente muito maior. O fenômeno é perceptível a olho nu: por exemplo, nos últimos anos a cidade atraiu grandes cadeias de alimentação, como o Hortifruti, e também de farmácias, como Venâncio e Pacheco, muito presentes na zona sul do Rio de Janeiro, além da expansão da rede de ensino privado, indicando que a economia se movimenta também com a renda da classe média alta residente. Embora o Censo de 2022 tenha contabilizado 40 mil habitantes, não entraram na conta os que têm duas residências, sendo o endereço principal o carioca. Muita gente que hoje usufrui da cidade mas também sofre com seus problemas – esgoto nas praias, trânsito caótico, crescimento desordenado, falta de planejamento urbano e de uma política de segurança pública, nenhuma transparência nos gastos públicos – não tem aqui seu domicílio eleitoral.

Dois anos antes, na eleição de 2020, o TRE indicava que eram cerca de 30 mil eleitores, dos quais quase um terço não compareceu às urnas. Como em cidades com menos de 200 mil habitantes as eleições são realizadas em turno único, o prefeito agora afastado foi eleito com pouco menos de 10 mil votos válidos para gerir R$ 3 bilhões em quatro anos de mandato. Desde a chegada dos royalties do petróleo, Búzios vive esse paradoxo: é um município com orçamento rico e classe política de cidade pequena. Os grupos em disputa pelo poder são mais ou menos os mesmos, com rearranjos de ocasião em siglas partidárias de pouca consistência e na maioria das vezes desvinculadas do cenário nacional. O montante de recursos em jogo, no entanto, passou a atrair alianças políticas com nomes nacionais. É o caso, por exemplo, do apoio do ex-deputado Eduardo Cunha ao ex-prefeito Alexandre Martins dentro do Partido dos Republicanos ou do possível apoio do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (PL), ao atual prefeito interino, Rafael Aguiar.

Para o pleito municipal de outubro, por força do tamanho da bancada parlamentar eleita em 2022, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro dispõe de um fundo eleitoral de quase R$ 1 bilhão, o que fez com que o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, já tenha declarado ter como meta eleger “mil prefeitos”. Com mais da metade dos 5 mil municípios não realiza a eleição em dois turnos, é mais fácil e mais barato investir em conquistar cidades médias e pequenas, onde transformar a prefeitura em um balcão de negócios pode ser menos arriscado. Essa é só uma das estratégias para o bolsonarismo permanecer no poder. Búzios e as outras cidades da Região dos Lagos cujos orçamentos estão turbinados pelos royalties são muito atraentes porque além de serem pequenas, são ricas.

Embora rica, a desigualdade de Búzios pode ser lida nos números do censo: a cidade tem o nono maior PIB per capita do Estado do Rio de Janeiro, R$ 84.721,42 e na Região dos Lagos só perde para Arraial do Cabo: com 30 mil habitantes, quase 10 mil a menos do que Búzios, ostenta um PIB per capita ainda maior: R$ 87.763,22. O cálculo é bem simples: valor total de arrecadação dividido pelo número de habitantes. Basta andar nas ruas de Búzios para ver que esta conta não fecha. O esgoto nas praias no verão e as enchentes de janeiro estão aí para nos lembrar o quão vulnerável estamos em termos de gestão urbana. A cidade partida é aqui. Nos bairros fora da península, como Rasa, São José ou Cem Braças, os moradores sofreram com ruas e casas alagadas e desabamentos de encostas.

Tudo isso sem mencionar o desastre da obra de deformação do centro histórico, que destruiu e descaracterizou o que restava da vila de pescadores, e o risco de a “revitalização” da Lagoa de Geribá seguir pelo mesmo caminho: muito concreto caro e nenhum resultado para a preservação ambiental. Se “crescer” já não é mais uma boa opção, crescer desordenadamente menos ainda. Enquanto houver uma parcela significativa da população que tem residência, mas não transferiu o domicílio eleitoral, haverá um claro déficit de representatividade nas eleições municipais. Há um contingente significativo de moradores que ainda não votam em Búzios e que podem mudar a disputa nas urnas. Mais do que nunca, está em jogo o modelo de cidade que vamos construir para os próximos oito anos, porque corremos o risco de que, por omissão, o próximo prefeito eleito venha a aprofundar o apartheid social das grandes metrópoles das quais a maioria dos migrantes escolheu se afastar.

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