PESQUISAS E FATOS

Hoje, os debates interessam mais aos seus promotores do que aos eleitores, que lhes negam assistência

HUDSON CARVALHO*

O Globo publicou artigo da CEO do IPEC, Márcia Cavallari, sob o título “Prefeitos melhoram avaliação, mas eleitor quer mudança”. O IPEC sucedeu, no campo das pesquisas políticas, ao IBOPE, onde Cavallari trabalhou anos em posto de direção. Profissional qualificada e respeitada, ela ostenta predicados para tratar do assunto.

O arrazoado baseia-se em escrutínios do instituto sobre as expectativas do eleitorado para os pleitos municipais desta temporada. Os resultados resumem-se em condensações genéricas, sem leituras individualizadas dos municípios. Pelo IPEC, em comparação com levantamentos de 2020, a avaliação positiva dos atuais prefeitos cresceu, passando de 32% para 38% de ótimo + bom, 14 pontos a mais do que o ruim + péssimo. Paradoxalmente, 55% dos entrevistados clamam por mudanças. Nada disso parece contraditório; o apelo por renovação, abstratamente, faz-se sempre efetivo. A leitura linear, todavia, sugere improvável reciclagem majoritária no comando das cidades brasileiras. Pode acontecer, contudo se caracterizaria como exceção. Desde que o estatuto da reeleição ressurgiu em 1997, ele privilegia presidentes, governadores e prefeitos sistematicamente. Jair Bolsonaro converteu-se no único presidente da República a não ser reeleito. Até Dilma Rousseff foi reeleita. A maioria de governadores e prefeitos que se habilitaram à reeleição, logrou êxito. Em 2022, dos 20 governadores que a pleitearam, 18 venceram; 14 no primeiro turno. De acordo com a Confederação Nacional dos Prefeitos, o índice mínimo de recondução eleva-se a 60% nos pleitos municipais, aforando o ano de 2016, quando ficou um pouco abaixo de 50%.

No Brasil, a reeleição favorece os que estão no poder e estimula desregramentos morais, embustes, alianças espúrias e males feitos à granel. Aparentemente, é uma resolução consoante com a democracia; governos bem avaliados merecem bis. Aqui, porém, a experiência tem acarretado mais problemas do que soluções. Particularmente, tornei-me defensor do fim da reeleição, sobretudo para presidente da República. E espero que o Congresso acabe com ela, resguardando os direitos pertinentes daqueles que ainda fazem jus.

Voltemos às considerações de Márcia Cavallari. O IPEC constatou o que parece cada dia mais patente: a população brasileira inclina-se à direita; 41% se identificam assim. Já os que se afirmam de esquerda atingem 18%. Dois terços dos pesquisados acreditam na prevalência da polarização política na agenda das eleições municipais. Curiosamente, 47% prefeririam votar em candidatos desvinculados a Bolsonaro e a Lula. Apesar dessas evidências, é pouco plausível que a ideologia dê o tom nas triagens municipais, notadamente nas milhares de cidades pequenas e médias. As refregas municipais costumam ser marcadas por narrativas e influências locais. Tem sido constantemente assim. No mais, elas se dão apartadas dos pleitos de governador e presidente, suscetíveis a contaminação ideológica. Isto é, embora o ambiente nos baluartes ideologizados seja de rivalidade esganiçada, é razoável supor que ela não se imporá nas deliberações municipais. Isso não significa que a polarização histérica não se faça presente em um ou outro burgo mais politizado, como São Paulo. As eleições municipais, como regra, não sugestionam as demais, e vice-versa, para frustração da mídia que adora elaborar conexões despropositadas.

O IPEC detectou ainda o peso dos debates eleitorais no processo de decisão de voto. Para 37% dos sondados, os debates contribuem, prioritariamente, para a seleção do candidato. “Num contexto em que a expectativa é de polarização política, o eleitor se beneficiaria com um debate propositivo e informativo, que permita conhecer as propostas e o perfil dos candidatos”, assinala Márcia Cavallari.

Há anos, os debates perderam a capacidade de influenciar as jornadas eleitorais. Tiveram grande importância no passado, após a redemocratização. Hoje, os debates interessam mais aos seus promotores do que aos eleitores, que lhes negam assistência. Em exemplo doméstico, Eduardo Paes massacrou Wilson Witzel no debate da Globo às vésperas do segundo turno da eleição de governador em 2018. Urnas abertas, Witzel ganhou com 60% de preferência, não perdendo votos com a péssima exposição televisiva e confirmando o que se esboçara na dobra do primeiro turno. Na eleição presidencial, os debates não interferiram no transcurso previsto, apesar do fraco desempenho dos protagonistas.

Hoje, comunica-se pelas redes sociais, onde se exercitam doutrinamentos diariamente. E as variantes de orientação do voto são diversas – inclusive, religiosas -, que não passam pelos canais midiáticos tradicionais nem por sabatinas em recintos institucionais. A própria polarização vigente já delineia escolhas, esterilizando opções. A rigor, quando se chega no tardio debate da Globo, o único a manter audiência considerável, quase todos sabem em quem vão votar; o grau de indefinição é mínimo. Os debates, quando muito, funcionam como viés de confirmação. É uma ilusão achar que debates decidem alguma coisa. Assim como os comícios, os antigos formadores de opinião e os programas eleitorais gratuitos, os debates mostram-se ultrapassados para mobilizar votos. Como diz Ronaldo (Fenômeno) na propaganda da casa de apostas esportivas, “o jogo agora é outro”.

Em suma, não há patavina de errado com as pesquisas do IPEC, instituto de alta credibilidade. Certas leituras isoladas sobre elas, no entanto, parecem descasadas da realidade, por desconsiderarem vetores preponderantes. Para as próximas eleições municipais, Márcia Cavallari, traduzindo os números que dispõe, ressalta a expressiva perspectiva de mudanças, acentua a possibilidade de ideologização das batalhas e referenda a relevância dos debates como definidor de votos. Historicamente, como norma, a reeleição tem prevalecido e a doutrinação ideológica não predomina nos pleitos municipais. E as novas dinâmicas e os resultados eleitorais demonstram que os debates se fragilizaram como balizador de votos. Existe um descompasso entre os anseios populares captados nas pesquisas do IPEC e o império soberano dos fatos.

HUDSON CARVALHO é jornalista e consultor político

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