O déficit cognitivo amplo, geral e irrestrito

* Paulo Baía Deste o ano de 2015, com as grandes manifestações de rua, começamos a observar um comportamento errático de uma grande parte da população brasileira. A princípio avaliei como um descontentamento coletivo, sem foco definido, uma ideia que levava muitas pessoas a ser contra todos e tudo. Uma rebeldia contra o que genericamente…

* Paulo Baía

Deste o ano de 2015, com as grandes manifestações de rua, começamos a observar um comportamento errático de uma grande parte da população brasileira.

A princípio avaliei como um descontentamento coletivo, sem foco definido, uma ideia que levava muitas pessoas a ser contra todos e tudo.

Uma rebeldia contra o que genericamente chamavam de “sistema”.

Com o passar do tempo essa massa humana, com volume bem alto e estridente,  ganhou um desenho específico em 2018. Essa massa escolheu Jair Bolsonaro como candidato preferido para  presidente da república.

Nós, analistas políticos, com semelhante déficit cognitivo, ancoramos as avaliações pelo ponto de vista das lógicas estatísticas históricas, da racionalidade do comportamento eleitoral, e dizíamos que Jair Bolsonaro não tinha a menor chance de se eleger presidente da república em 2018.

Contrariando todas essas lógicas, todas as estatísticas, o disruptivo Jair Bolsonaro conseguiu catalisar todas as insatisfações de 2015 até 2018 e se tornou o presidente da república.

Nessa reflexão que faço agora volto a 2015, quando identifico a partir das imensas manifestações não apenas uma insatisfação coletiva, mas um déficit cognitivo, das massas e meu como sociólogo e cientista político.

Só um imenso déficit cognitivo justifica palavras de ordem como intervenção militar, ditadura já, palavras de ordem a favor da dissolução do sistema judiciário. Não apenas uma insatisfação genérica,  mas um déficit cognitivo estruturado, um déficit cognitivo que se mede hoje nas crianças e jovens como efeito do isolamento sem sustentabilidade da pandemia de Covid-19, sem um ensino e um acolhimento escolar.

Penso que essas insatisfações genéricas e de apologia a crimes contra a ordem democrática, de apologia ao racismo, à xenofobia, ao machismo, às intolerâncias, podem  sim ser efeito de um déficit cognitivo afetivo, social, educacional e civilizacional.

A pandemia tem efeitos que agravaram esse déficit cognitivo que já estava presente nas ruas em 2015.

Vi de perto as manifestações de 2015, as manifestações de 2016, as manifestações de 2017, acompanhei as manifestações de 2018, acompanhei de perto a eleição de 2018 e na época não percebia, por déficit cognitivo, a rebeldia e insatisfação genérica como um déficit cognitivo estruturado da população, misturado com alterações psíquicas.

Devemos, agora, de imediato, pensar em uma política social, educacional e de saúde mental que possa vir a diminuir, a mitigar esse déficit cognitivo.

Como é bordão nas redes sociais e temos que reconhecer: “seja gentil e calmo com as pessoas, quase ninguém está bem”.

Temos que ter uma ampla, diversificada política comunicacional para diminuir esse déficit cognitivo, da maioria e nosso também, juntamente com propostas de ações pedagógicas, de ensino no sistema escolar para crianças e jovens diretamente ligados ao processo escolar.

Mas o déficit cognitivo é para além dos sistemas escolares. Vamos ter que pensar no enfrentamento desse déficit cognitivo como um fenômeno social urbano, que pode ser corrigido através de uma política comunicacional, cultural, uma política de informações generalizada e de fácil acesso.

*Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.

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