Desafiando a “necrofilia bibliográfica”: o papel fundamental dos professores na busca por conhecimento e sabedoria

Na esfera acadêmica, a busca pelo saber implica a constante renúncia de certezas simplistas. Professores são desafiados a questionar e revisitar ideias antes consideradas inabaláveis.

  * Paulo Baía

Nas intricadas tramas do conhecimento, a célebre frase de Melanie Klein, “Quem come do fruto da árvore do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso”, ressoa não apenas nas esferas psicanalíticas, mas também permeia todos os cantos do saber, profissionalismo e vida cotidiana. Essa reflexão aprofundada adquire uma dimensão ainda mais vital quando direcionada aos professores, os construtores do aprendizado em todos os níveis.

Klein, reconhecida por suas contribuições à psicanálise infantil, sugere que o ganho de conhecimento frequentemente acarreta perdas ou transformações significativas, ecoando o dilema bíblico de Adão e Eva. Essa dualidade transcende as fronteiras disciplinares, reverberando nos corredores das salas de aula e na orientação educacional.

No cenário profissional dos professores, o aprendizado constante se torna uma jornada desafiadora. Ao se aprofundarem nos domínios do conhecimento, confrontam não apenas a complexidade dos temas, mas também a perda da simplicidade que caracteriza um estado paradisíaco de ignorância. A especialização, embora enriquecedora, frequentemente demanda sacrifícios, afastando-os, por vezes, de perspectivas mais amplas.

Na esfera acadêmica, a busca pelo saber implica a constante renúncia de certezas simplistas. Professores são desafiados a questionar e revisitar ideias antes consideradas inabaláveis. Esse processo, embora desconfortável, é essencial para o desenvolvimento intelectual, levando-os a abandonar o conforto intelectual de certezas superficiais em prol de um terreno mais fértil em nuances e descobertas.

Na vida cotidiana, a frase de Klein ressoa de maneira peculiar para os educadores. A busca por entendimento muitas vezes os afasta da ingenuidade, proporcionando um olhar mais crítico sobre a existência. A consciência adquirida traz consigo não apenas o peso da responsabilidade, mas também a percepção das imperfeições que antes passavam despercebidas. A jornada do conhecimento para os professores frequentemente implica na perda da inocência, uma expulsão de um estado de complacência.

Entretanto, essa expulsão não deve ser vista como uma maldição, mas como um chamado à evolução. Ao perderem o paraíso da ignorância, os professores ganham o solo fértil da compreensão e autenticidade, elementos cruciais na formação das mentes que orientam. A busca pelo conhecimento não é meramente um ato de acumulação, mas uma jornada contínua de autodescoberta e crescimento pessoal, algo que os educadores modelam diariamente.

Dessa forma, a frase de Melanie Klein, para além de seu contexto psicanalítico, emerge como um convite universal à reflexão, especialmente para aqueles que moldam as mentes do amanhã. Ao abraçarem as transformações inerentes ao processo de buscar conhecimento, os professores se tornam catalisadores da evolução intelectual e pessoal, guiando seus alunos através do fascinante labirinto da árvore do conhecimento, sem cair na armadilha da “necrofilia bibliográfica”. Essa abordagem, longe de implicar em evitar os clássicos, destaca a importância de renovar e contextualizar constantemente o conhecimento, seguindo uma lição fundamental de Ítalo Calvino para todos nós. 

* Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.

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