Como as democracias morrem: versão Búzios 2024

No mesmo dia em que todo o noticiário nacional se ocupava de mostrar Bolsonaro tinha pleno conhecimento da “minuta do golpe” ele era recebido nas cidades da Região dos Lagos e na imprensa local como “mito”, mesmo que tenha vindo a Búzios cometer uma irregularidade.

Carla Rodrigues

Há diferentes formas de matar um regime democrático: golpe, autogolpe, minuta de golpe e, a que tem se provado mais fácil para a ultradireita, a corrosão das democracias por dentro. Em outras palavras, isso quer dizer usar todos os mecanismos democráticos estabelecidos para instituir um governo que, embora responda aos aspetos formais do regime democrático, os anula internamente.

Foi o que o ex-presidente Jair Bolsonaro veio fazer em Búzios na última sexta-feira, 15 de março, na convenção do PL que lançou como candidato a prefeito da cidade o atual interino, Rafael Aguiar. No mesmo dia em que todo o noticiário nacional se ocupava de mostrar que o ex-presidente tinha pleno conhecimento da “minuta do golpe” que pretendia mantê-lo no poder à revelia da vontade popular, Bolsonaro era recebido nas cidades da Região dos Lagos e na imprensa local como “mito”, mesmo que tenha vindo a Búzios cometer uma irregularidade.

A lei eleitoral determina que os candidatos nas eleições suplementares de 28 de abril devem estar filiados ao partido pelo qual vão concorrer há pelo menos seis meses. Quando Bolsonaro chega para apadrinhar a filiação de Aguiar e lançar sua candidatura para a eleição suplementar, vem desafiar a lei, contaminando o que deveria ser o processo legítimo de escolha partidária conforme as regras em vigor. Levou junto com ele a candidatura de João Carrilho, cujo apoio do governador Claudio Castro e do candidato à prefeito em Cabo Frio, dr. Serginho, ficou condicionado a tornar-se vice de Aguiar numa chapa que, legalmente, não poderia existir.

A chegada de Bolsonaro desarrumou todos os acordos que estavam sendo costurados antes dele. Para muitos, isso seria prova do poder de fogo do ex-presidente. Para esta colunista, isso é prova de que Bolsonaro veio corroer qualquer possibilidade de jogo democrático nas eleições suplementares, colocando em risco o pleito excepcional de abril, a eleição regular de outubro e o futuro da cidade. Tem como aliados aqueles para os quais o futuro reserva um lugar na história da ascensão do fascismo na vida social brasileira.

*Carla Rodrigues é filósofa, professora do IFF e da UFRJ. Carioca de nascimento, moradora e eleitora de Armação de Búzios por amor à cidade.

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