Búzios: os desafios de um novo futuro

O urbanista Ephim Shluger inaugura uma série de artigos sobre as eleições em Búzios e a consequente correlação com crescimento desordenado da cidade.

A longo prazo, lugares com forte e distinta identidade, têm mais chance de prosperar do que aqueles que não as possuem. Todas as cidades devem conhecer seus atributos de identidade mais fortes e desenvolvê-los. Ou correrão o risco de serem tudo para todos e nada de especial para ninguém.

A qualidade de vida não é um luxo da classe média. É um imperativo econômico.”

Professor Robert M. Solow, Prêmio Nobel de Economia (1987)

Ephim Shluger*

O município de Búzios vive um período de transição político-institucional, com a cassação da chapa do prefeito Alexandre Martins-Miguel Pereira e a convocação de uma eleição suplementar marcada para o dia 28 de abril de 2024. A cassação pelo TSE decorreu da fraude eleitoral cometida nas últimas eleições, através de compra de votos – classificada como abuso de poder econômico. Toda crise é um risco e uma oportunidade, como reza o proverbio chinês. E esta é a oportunidade de realizarmos juntos mudanças na condução do destino de Búzios, com o resgate da sua capacidade institucional em formular planos, programas e uma carteira de projetos, proporcionando acesso a recursos estaduais e federais e consequente atração de investimentos privados. Assim, poderemos fomentar setores produtivos, gerando empregos de qualidade e aumentando a renda domiciliar da população.

Precisamos aqui distinguir crescimento de desenvolvimento. E, para discutir uma nova agenda de desenvolvimento para Búzios, propomos a mobilização de todos aqueles que aspiram viver e trabalhar numa cidade mais sustentável e mais verde, preparada para enfrentar episódios cada vez mais frequentes de temperaturas extremas, com mais qualidade de vida para todos – moradores e visitantes. Queremos uma cidade mais humana, mais integrada com a natureza, mais segura, com soluções de saneamento básico que não poluam nossas águas, nem nossas praias. Uma cidade que ofereça opções variadas de mobilidade urbana, a começar por calçadas contínuas e acessíveis, desobstruídas, para circulação de pedestres e infraestrutura adequada para ciclistas – ciclovias, ciclofaixas, bicicletários. Uma cidade que ofereça opções de lazer e cultura compatíveis com sua escala e seu perfil.

Para tanto, precisamos de uma administração que saiba estabelecer o permanente e construtivo diálogo com a população e não guiada apenas por seus próprios interesses. Mas precisamos também de uma sociedade engajada, que expresse suas demandas e discuta quais as melhores soluções. Fica o convite lançado para que cada cidadão de Búzios participe da construção desse nosso futuro comum.

A presente crise sucessória desvela um elaborado esquema de malfeitos ocorridos durante os três anos dessa gestão. Uma sequência de obras públicas, realizadas a toque de caixa, sem projeto, sem aprovação dos conselhos municipais e sem consulta a população. Como exemplo, o caso da retirada dos paralelepípedos do Centro Histórico, substituído por blocos intertravados de cimento. A obra causou indignação nas entidades da sociedade civil, que deflagraram o movimento “Salvem o Centro Histórico de Búzios”, colhendo milhares de assinaturas ao manifesto publicado nas mídias sociais. Munido de fatos, o manifesto apontava o absurdo desta iniciativa frente a tantas obras mais importantes reivindicadas pelas comunidades. Acusava também a derrubada de diversas árvores de porte que protegiam o casario com sombra e escondiam o emaranhado de fios elétricos aéreos, e construções com seus puxadinhos, descaracterizando de vez o núcleo central da cidade. O flagrante impacto negativo no turismo e nos negócios, além das inúmeras inadequações conceituais, técnicas e urbanísticas terão que ser avaliados e corrigidos pela próxima administração, quanto à segurança viária, conforto térmico, iluminação, paisagismo, sinalização viária e turística.

A construção do mercado de peixe na Rasa é outro exemplo de obra realizada de forma impositiva e apressada. Desprovida de planejamento, a iniciativa carece de estudos de inserção urbana e impacto de vizinhança, que justifiquem o investimento.  Não era uma obra prioritária, para um bairro popular, necessitado de soluções de micro e macro drenagem, saneamento básico, atendimento de saúde, transporte, regularização fundiária, providências reivindicadas pelos moradores.

Enquanto isso, não se dá a devida atenção à conservação dos nossos corpos hídricos (como a bacia do Una), às nossas lagoas, nem aos nossos mangues. A balneabilidade da praia de Manguinhos está em sério risco, por exemplo. Conceitos já amplamente adotados e com muito sucesso, como o de serviços ecossistêmicos, não têm eco nas nossas administrações, apesar de que poderiam responder aos desafios do saneamento ambiental, já que são comprovadamente custo-eficiente, onde sistemas de redes de drenagem tradicional não dão vazão ao volume de efluentes produzidos. 

O gerenciamento costeiro também é negligenciado, em pleno período de agravamento das mudanças climáticas, inclusive com perda de areia em várias praias, como Tartaruga e Geribá.

Sem planos e projetos, sem régua e compasso, a cidade vive sob o arbítrio de uma gestão que pouco valoriza o controle urbano, justo no momento que um novo boom imobiliário surge no pós-pandemia. Com a pressão da demanda por moradia, surge uma nova tipologia de residência mínima para locação conhecida como quitinete, aumentando assim o potencial de rentabilidade do investimento. Essas obras são realizadas à margem da lei, sem projeto aprovado e sem fiscalização, um padrão de ocupação e de densidade construtiva não previsto na legislação urbanística, que aumenta o número de veículos circulando pela cidade e agrava a inevitável congestão nas principais vias e logradouros, gerando altos níveis de poluição aérea e sonora. Por outro lado, essa expansão urbana provoca pressão sobre a infraestrutura da cidade, saturando as redes de drenagem e esgoto, resultando em lançamento de efluentes diretamente nas praias, sem qualquer tratamento.  

No âmbito turístico-cultural, Búzios já teve uma dinâmica bem diferente da que tem hoje. Os tradicionais festivais de cinema, os festivais de gastronomia, de jazz, de música clássica, torneios de vela, atraíam um público de maior qualidade, que se hospedava na cidade, consumia nos restaurantes, fazia compras no comércio local. A maioria dos eventos realizados nos últimos anos, porém, atrai mais quantidade do que qualidade de visitantes e frequentadores, causando impactos negativos como lixo, ruído, desordem urbana, insegurança. Hoje a pasta da cultura está esvaziada, incapaz de manter uma programação de eventos de qualidade para atrair audiências mais exigentes e promover a marca da cidade entre os turistas. Vale lembrar que o Grand Cine Bardot, um dos ícones culturais de Búzios, está fechado há quase um ano. Já o Espaço Zanine, que continua aberto, não consegue desenvolver uma programação consistente, por falta de apoio e de patrocínios. Promoção da cultura e turismo sempre andam juntos e podem contribuir para fortalecer a marca da cidade.

Búzios possui uma população de 40 mil moradores, segundo a estimativa do IBGE (2022), mas que pode chegar a 150 mil durante a alta estação no verão. O principal setor econômico é o da prestação de serviços ao turismo.  O Município apresenta uma arrecadação fiscal estimada em R$700 milhões no ano de 2022, acrescida de transferências federais de fundos discricionárias para setores de saúde e educação, e da contribuição anual dos royalties. É uma arrecadação desproporcional à entrega que tem sido feita. Com estes indicadores econômicos, acreditamos que seja possível evoluir para um modelo de administração pública bem mais eficaz e competente.      

Este ensaio tem por objetivo contribuir para a reflexão e para o debate de idéias, neste momento em que Búzios se prepara para as eleições municipais. Precisamos com urgência de uma gestão mais eficaz, sustentada por planos e de uma visão estratégica desenvolvida com a participação das lideranças da sociedade, assegurando desta forma a relevância e a transparência no uso de recursos públicos.

Ephim Shluger

Urbanista

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