Após 33 anos, a Constituição tem um legado exitoso e ainda pode transformar o Brasil?

 Por Manoel Peixinho* Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz ainda que de lamparina na noite dos desgraçados (Ulysses Guimarães) No dia 05/10/1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil e marcou, historicamente, a plenitude do processo de redemocratização do país após 21 anos de ditadura militar. Ainda…

 Por Manoel Peixinho*

Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz ainda que de lamparina na noite dos desgraçados (Ulysses Guimarães)

No dia 05/10/1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil e marcou, historicamente, a plenitude do processo de redemocratização do país após 21 anos de ditadura militar. Ainda ressoam as palavras de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) em discurso épico reverberado ao mundo e aos brasileiros com otimismo contagiante: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar”.

Porém, após 33 anos do advento desse discurso patriota de Ulysses Guimarães, pergunto: a Constituição tem um legado exitoso e ainda pode transformar o Brasil? Poderia falar dos infortúnios e das diversas tentativas e tratativas de esvaziamento do texto constitucional com clara afronta à vontade do constituinte originário. Mas como é uma data festiva, e “pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré), começo por rememorar alguns dos seus grandes feitos.

Registre-se, de plano, que as 111 emendas (até o momento) ao texto original da Constituição não conseguiram vulnerar os direitos fundamentais blindados pelas cláusulas pétreas, um obstáculo instransponível instituído pelo Poder Constituinte que não autoriza em qualquer hipótese emenda “tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais”. As cláusulas pétreas são a essência de um Estado Democrático de Direito porquanto preservam a unidade do sistema federativo que têm o compromisso irrenunciável de concretizar os direitos fundamentais, a democracia e a separação dos Poderes.

Porém, a Constituição, além de sedimentar um Estado com legitimidade constitucional, inspirou a proliferação de legislações geradoras de uma nova cidadania. Podem ser exemplificadas grandes conquistas desses 33 anos de vida da nova Ordem Constitucional: 1) Estatuto do Consumidor (1990); 2) Estatuto da Criança e do Adolescente (1990); 3) Estatuto da Cidade (2001); 4) Estatuto do Idoso (2003); 5) Estatuto do Desarmamento (2003); 6) Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (2006); 7) Lei Maria da Penha (2006); 8) Estatuto da Igualdade Racial (2010); 9) Marco Civil da internet (2014); 10) Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (2018).

A Constituição também inspirou decisões judiciais que revolucionaram a sociedade brasileira. Cito alguns julgados históricos do STF: 1) Proibição do nepotismo nos três Poderes (2006); 2) Constitucionalidade da lei que autorizou pesquisas com células-tronco embrionárias (2008); 3) incompatibilidade entre a Lei de Imprensa do regime militar e a Constituição de 1988 (2009); 4) equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas (2011); 5) legitimidade das cotas raciais em favor de negros para ingresso em universidades públicas; 6) inexigibilidade de prévia autorização para divulgação de biografias (2015); 7) inconstitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gestação durante o primeiro trimestre (2016); 8) direito à propriedade das terras quilombolas sem o estabelecimento de um marco temporal (2018).

As citações dos frutos legislativos e jurisprudenciais nascidos da Constituição de 1988 são meramente exemplificativas e poderiam preencher muitas páginas. Contudo, basta o elenco de tantos contributos nestas 33 primaveras para provar que Ulysses Guimarães estava certo ao firmar que da Constituição de 1988 nasceria um novo modelo de Estado e sociedade com a concepção de muitos rebentos: “A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E é só cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa”.

Se ainda o sonho de Ulysses Guimarães não se concretizou por completo não é culpa da nossa Constituição. Ainda existe um logo caminho para erradicar as estruturas desumanizantes enraizadas no país. Mas a Constituição em 5/10/1988 pavimentou o caminho para uma República com “soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho” com objetivos irrenunciáveis que visam a “construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A Constituição tem um legado exitoso e ainda pode continuar a transformar o Brasil. 

  • Manoel Peixinho é presidente do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro-IDARJ. Professor de Direito da PUC-RIO e UCAM. Advogado.

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